Relato de parto: da gestação aos primeiros três meses com o Bebê

Este post é sobre minha viagem à “Partolândia”, e o que veio antes e depois.

O Bebê chegou para me mostrar que não tenho o controle de tudo, definitivamente. 

- A descoberta 

Planejamos essa gravidez, mas eu não pensei que ela aconteceria tão logo. Imaginei meses de tentativas e frustrações sucessivas a cada mês.

Mas ele tinha pressa.

Comecei a acordar de madrugada com meu abdômen queimando. Era como se estivessem fazendo brasa dos meus órgãos. Toda noite a mesma coisa. Achei que era indigestão. A menstruação atrasou. Achei que era porque não interrompi há pouco o anticoncepcional. Duas semanas se passaram, o Deco animado e desconfiado e eu entrando em estado de negação.

Até que, sem falar pra ninguém, comprei um teste de farmácia. A balconista me desejou sorte (o que é muito subjetivo, porque qualquer dos resultados poderia significar "sorte"). Fiz o teste escondida no banheiro de casa. A bula falava que demoraria até 5 minutos. Não demorou nem 5 segundos para o resultado aparecer. Positivo! “Estou MUITO grávida”, pensei. Chorei. Me pus em luto pela morte de quem eu era até então: filha, dona do meu nariz e dos meus horários, única afetada com os cuidados com meu corpo e alimentação... E minhas sextas à noite, meus fins de semana, feriados, viagens?! Adeus, liberdade, egoísmo e autodeterminação... 

Não ia contar pro Deco até fazer o exame de sangue. Mas o assunto surgiu e eu contei. Ele ficou feliz da vida. O exame de sangue confirmou o óbvio. E eu ainda não conseguindo realizar isso tudo na minha cabeça. 

Aos poucos fomos contando para as pessoas mais próximas, que nos parabenizavam e celebravam. Eu sem acreditar. 

Foi só depois do primeiro ultrassom que entendi que tinha mesmo uma pessoinha se formando dentro de mim. E nesse momento uma sementinha de amor começou a timidamente brotar. 



- O pré-natal e a escolha do parto

Eu – que fui criada na homeopatia; tomo café pra curar dor de cabeça e chá pras gripes e pros desconfortos gastrointestinais; que não sei nome de remédios; e que não gosto de falar em doença – sempre quis o parto normal. 

Então o Deco e eu nos pusemos a assistir “O Renascimento do Parto” e “O Começo da Vida”. “Quer dizer que parto normal e natural não são a mesma coisa?!”[1]. Queríamos o natural. 

O caminho era longo. Não há obstetra humanizado na cidade onde moramos. Uma amiga me indicou uma roda de conversa sobre gestação e parto, organizada por profissionais humanizadas. Logo no primeiro encontro, identificamos e escolhemos minha doula, mas demoramos meses para finalmente dizer isso a ela. Continuei com minha ginecologista-obstetra (cesarista) de confiança e do convênio, com quem mantive uma relação de sinceridade mútua: ela faria todo o pré-natal, mas o parto não seria com ela.

As dúvidas eram inúmeras. Parto domiciliar ou hospitalar? Casa de parto? Minha equipe ou plantonistas do hospital? Do que precisa? Quanto custa? Foram muitas as frustrações também. Pra que tanta gente estranha num momento que deveria ser só meu, do meu bebê e marido?! Por que os profissionais humanizados são caros e não atendem convênio?![2] Desânimo e revolta também fizeram parte dessa fase. 

O Deco estava empolgado com parto domiciliar. Eu decidida com o hospitalar, não queria correr grandes riscos em caso de necessidade de intervenções médicas. Ficamos com a minha opção. E toca visitar maternidade. Escolhemos as ditas melhores de SP e, a cada visita, mais frustração. Ninguém falava do parto normal e menos ainda do natural... Parecia que todos partiam do pressuposto de que os bebês virão ao mundo sempre através de uma cesárea eletiva[3].

Fomos ao Amparo Maternal, em São Paulo, que nos foi super bem recomendado e é público. Mas estávamos no período de transição da lei que obrigaria a entrada da minha doula como acompanhante. Eu não queria correr o risco de deixa-la lá fora. 

Finalmente fiz minha opção: seria no São Luiz do Itaim, que parecia ter algum compromisso com a humanização e alguma abertura para cumprir meu plano de parto[4], ou boa parte dele. 

Nesse meio-tempo estudamos mais e elaborei meu plano de parto, com tudo o que eu queria e não queria para o trabalho de parto e o nascimento do meu filho. Considerei a hipótese de uma cesárea, se necessário, descrevendo as condutas de humanização que eu queria que fossem respeitadas.

Cansada de não ter respostas concretas sobre a necessidade e o papel de cada um dos personagens da equipe[5], estava decidida a ficar com os plantonistas e só levar minha doula. Ela me apoiou, mas me deixou avisada sobre o grande risco de sofrermos – eu e o Bebê – intervenções desnecessárias ou indesejadas.

Decidi então procurar uma obstetra humanizada. Encontrei. Ela me indicou a obstetriz[6]. Me apaixonei. Dispensei ter um pediatra (neonatologista) por questões de custo mesmo, fosse o que Deus quisesse. Assumi com isso o risco do meu bebê sofrer intervenções desnecessárias, mas tive fé no bom senso do plantonista.

- A reta final

Apesar de todas as idas e vindas com consultas longe de casa, os gastos extra, as compensações de hora no trabalho, eu estava em paz. Até o terceiro mês de gestação sofri muito com uma azia 7 dias por semana, 24 horas por dia, mas depois que passou eu amei a gestação! Estava bem disposta, feliz e tranquila com o que viria pela frente, sem medo do parto.

O Marido e eu cuidamos juntos da decoração do quartinho, lemos, pesquisamos, nos informamos, cuidei do enxoval, fui muito paparicada, tivemos apoio emocional da família e dos amigos e até chás de bebê surpresa. Tudo maravilhoso.

Eis que aos 45 do segundo tempo, com 38 semanas, a médica do ultrassom me disse pra esquecer meu parto natural. A circunferência abdominal do bebê estava grande e eu estava com muito líquido amniótico, o que poderia indicar diabete gestacional, apesar dos meus exames de sangue estarem perfeitos! "Sabe de nada", pensei. Saí bem tranquila do laboratório.

Trabalhei até a véspera do parto, feliz da vida, apesar dos protestos do marido e de alguns dos meus colegas.

Quando completei 39 semanas mandei por email o resultado do ultrassom pra minha médica e ela, que era humanizada, me deixou em pânico! Fiz novo ultrassom. Mesmo resultado. Minha vida virou de ponta cabeça. Controle rígido de alimentação e medição de glicemia em casa, três vezes ao dia. Ela sugeriu induzir meu parto. Pedi três dias. Ela me indicou acupuntura. Fiz no segundo dia. Foi infalível! Horas depois da sessão, meu trabalho de parto começou. 

- O parto

Tampão mucoso liberado. Mas poderia levar dias ainda até que o trabalho de parto se iniciasse. Fui dormir. 

Contrações leves às 2h da madrugada, eu falante e animada. A doula veio e voltou pra casa. Voltei a dormir. 

Contrações mais fortes e com menos intervalo. Veio a doula. Veio a obstetriz. Eu ainda conversava. Não demorou muito, as contrações foram ficando mais fortes. Eu não queria comer. Não queria mais conversar. Fui pro chuveiro algumas vezes com minha bola de pilates. Alívio. Mais dor. 

Ficamos em casa até os 7 cm de dilatação. Eu era acompanhada e examinada, a dilatação aumentava. O marido sempre ao lado, dando apoio e conforto. 

10 horas depois daquelas primeiras contrações da madrugada, dei entrada no São Luiz do Anália Franco, que era mais perto de casa. Fui admitida com muita atenção e respeito. Lembro de flashes da admissão. Fomos pra uma sala LDR (labor and delivery room), preparada para o parto natural. Fui pra banheira. Alívio imediato.

Dormia entre uma contração e outra. Ainda silenciosa. 

Com o tempo, foi ficando insuportável. Verbalizei. Fiz força. Estava esgotada. O menino não vinha... Não adiantavam massagem, carinho e palavras de incentivo. Eu perguntava as horas, como se não soubesse que ele não tinha hora marcada comigo pra nascer. 

Às 6h da tarde me entreguei e pedi uma-anestesia-pelo-amor-de-Deus. Eu estava no meu limite físico e emocional. Recebi. Voltei a conversar e rir. Fiz mais força. Nada.

Falei que, se não desse agora, eu queria cesárea. Não aguentava mais.

Minha bolsa foi rompida artificialmente. Fiz mais força. Nada. 

O efeito da anestesia passando, eu pedia outra e uma cesárea...

Tentamos mais uma vez. Nada.

Vácuo pra tentar trazer o menino à luz, que o cabelinho já tava aparecendo. Nada. 

E foi então que minha médica chamou a cesariana de emergência com a equipe de plantão, porque os batimentos cardíacos do Bebê ficaram lentos. Medo.

Eu só queria que meu bebê chegasse bem. Bora pra cesárea. Aquela cena “E.R.”, gente me transferindo pra maca, gente me furando e explicando mil coisas que nem sei, gente me levando pelos corredores, sala sendo montada... O Marido chorando de medo e esgotamento. O consolei com uma coragem que veio sei lá de onde. 

Dizem que você não sai da maternidade amando o seu bebê. Eu estava super consciente de que nosso amor seria uma construção gradual. Mas foi amor à primeira vista.

Às 20h14, dezoito horas após as primeiras contrações da madrugada, ele chegou. 

A pediatra plantonista foi super tranquila e respeitosa. O bebê teve APGAR 9/10[7]. Graças a Deus! A equipe do hospital e a minha foram maravilhosas. Meu bebê logo veio para o meu peito. Tentamos fazê-lo mamar. O Marido cortou o cordão. Doei minha placenta para a doula, que cuidou dela com amor.

O período de internação foi bem tranquilo. Tive boa cicatrização e fomos muito bem cuidados pela equipe do hospital e minha obstetra.


- Primeiros dias 

Agora sim, achei que tudo estava nos conformes. Meu bebê nasceu bem, saudável. 

Mas não pegou meu peito. Não mamava. E eu que só me preocupava (pouco) com fissuras nos mamilos e empedramento de leite, não imaginei que o moleque não iria mamar logo de cara.

Sob a “ameaça” da administração de fórmula ainda no berçário, compramos um bico de silicone. Pronto! Ele pegou! Ufa! 

Mas mais parecia UFC do que amamentação. Ele ficava irritado, balançava a cabeça com vigor na frente do meu peito, reclamava. 

Fomos pra casa e continuamos assim. Com sete dias, o levei à pediatra, que constatou que ele havia perdido o dobro do peso considerado aceitável. Me orientou a complementar a amamentação com fórmula. Resisti. Falei com a obstetriz, ela me indicou ajuda, mas que a fórmula deveria mesmo ser administrada, pois o bebê poderia fazer hipoglicemia e sofrer danos irreversíveis. Desespero e frustração. E toca o Marido correr pra farmácia e comprar o tal leite.

A única mamadeira que comprei, sem pretender usar, foi estreada... Ele bebeu tudo com vigor, como se fosse a última mamadeira do mundo. Chorei.

Tentei ordenhar meu leite. Foi então que descobri que não produzia quase nada. Meu bebê estava passando fome esses dias todos e eu não me dei conta disso! Culpa.

Não sei o que é sentir “o leite descer” ou “o peito esvaziar”...

Consultas, pesquisas, ocitocina sintética, remédios fitoterápicos, sonda de relactação, bombinha de extração de leite, grupo de apoio ao aleitamento, acupuntura... nada funcionou pra mim. Foi um estresse, uma frustração. Eu não passava de 15 ml extraídos por vez... Resisti e persisti. Mas, na véspera do bebê completar dois meses, desisti. Chorei, me desculpei com ele, e desisti. Não me orgulho disso, não incentivo, mas não vi saída pra mim. Aquilo estava torturante.

Me entreguei então às mamadeiras, água fervida, garrafa térmica, fórmula, esterilizador de micro-ondas... E toca levar mil coisas a mais a cada saída de casa. Agora acostumei.

Algumas pessoas me olham com cara de pânico quando, ao vê-lo chorar de fome, eu respondo sacando uma mamadeira de dentro da bolsa – e não meu peito de dentro da blusa. Tento explicar a história, para amenizar os olhares de reprovação que eu conheço bem, porque eu mesma não compreendia uma mãe não amamentar seu filho. Hoje entendo – e como entendo! E sei que, em muitos casos, não é por mera opção ou desinformação.

Esse foi o lado negro da maternidade pra mim. Porque acordar de madrugada, a cada duas ou três horas; dormir sentada na poltrona de amamentação; trocar mil fraldas por dia; acalentar; dar colo; a falta de tempo até pra lavar meu rosto nos primeiros dois meses; a barriga gelatinosa e os quilos a mais que eu ainda carrego; a dedicação quase absoluta de tempo só pra ele, tudo vale a pena e supera o cansaço!

Três meses se passaram. Tão rápido! As madrugadas estão ficando mais tranquilas, ele descobriu as mãozinhas, já tem brinquedo preferido, gosta de ouvir música e de que leiamos pra ele, dá risadinhas, “conversa”... São mil descobertas e aprendizados pra nós e para ele a cada dia. Medos, culpas, erros, acertos e muita, muita FELICIDADE! E GRATIDÃO. A Deus. À equipe médica. À minha equipe. Ao Marido. À família. Aos amigos. E principalmente a esses lindos olhinhos curiosos fixados em mim agora, pedindo a atenção roubada por este texto.





[1] Em poucas palavras, Parto normal costuma ser usado como sinônimo de ‘parto vaginal’. Quando se fala em parto natural, além de a via de parto ser a vaginal, se quer enfatizar que o bebê nasce sem intervenções médicas, como anestesia, analgésicos ou substâncias para acelerar as contrações. (https://brasil.babycenter.com/a25008167/parto-natural)
Você pode ler mais sobre o assunto clicando no link: http://www.primeirosdias.com/parto-humanizado.html
[2] Com o passar do tempo, e agora que essa fase já passou, entendo ser mais caro porque a disponibilidade desses profissionais é integral. Eles podem ser chamados a qualquer hora, acompanhar três dias de trabalho de parto etc. Em geral, são pessoas extremamente comprometidas com a “causa” e amantes daquilo que fazem. Mesmo assim, ainda acho que, ressalvadas as poucas casas de parto e hospitais públicos do País que já se dispõem à humanização do parto (digo em relação a todos os procedimentos, para que o parto seja “NATURAL”, e não “normal”), o natural ainda é pra poucas – o que é um contrassenso.
Quanto ao custo, em SP a média é de R$ 14.000,00 só o parto, além das consultas. E aí é contar com a felicidade de ter um convênio, que reembolse boa parte, o que é a realidade de poucos também.
Já no Ceará, por exemplo, a média é de R$ 3.500 para o parto.
[3] Aquela que agendamos segundo a nossa conveniência e/ou  a do médico, sem “combinar” a data com o nosso bebê.
[4] Documento onde escrevemos aquilo que desejamos para o nosso parto, desde os procedimentos médicos que julgamos desnecessários até as questões de ambiente.
[5] Sobre o assunto, um texto esclarecedor: http://www.primeirosdias.com/obstetriz-e-equipe.html
[6] Enfermeira obstétrica.
[7] Teste desenvolvido pela médica norte-americana Virginia Apgar, que consiste na avaliação de 5 sinais objetivos do recém-nascido no primeiro e no quinto minuto após o nascimento, para avaliar as condições vitais dos pequenos.

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